terça-feira, 16 de abril de 2013

"Durante aqueles segundos vi mais do seu verdadeiro eu, do que nos últimos anos"
 (texto que deu origem ao livro)

"-Perdoe-me padre, pois eu pequei.
 -E qual foi o teu pecado minha filha?
 -Não sei... E agora que penso melhor, não sei  se realmente pequei...
 -Não estou a perceber. E se me contares o que aconteceu? Talvez eu te ajude a encontrar paz.
 -Não se iluda senhor padre.
 -Vá, conta-me minha filha.
 -Tem tempo para uma história?
 -Sim.
 -Não sei muito bem por onde começar.
 -Começa pelo início...
 -Nem sei se teve um início... pois tudo o que começa, tem obrigatoriamente que acabar, tal como tudo o que nasce, morre. E sinceramente, não vejo isto a acabar, não vejo o fim desta tortura, nem a morte do que me atormenta.
 -Não te posso ajudar se não me explicares...
 -Bem, digamos que tudo começou na vulgaridade. Eu estava com amigos, ía sair, não sei muito bem porquê, por vezes limito-me a seguir a corrente.
 -Continua...
 -Sei que estava no Chiado, no Largo de Camões. Estava junto à estátua, fumando um cigarro, sempre na esperança ingénua de acalmar a ansiedade.
 -Que ansiedade?
 -A minha. Uma das poucas constantes na minha vida. Penso que o meu estado normal é uma interminável crise existencial. Mas continuando, eu estava sozinha, à espera. Entretanto chegaram os meus amigos, não me lembro bem quem eram respetivamente. Mas boas pessoas certamente.
 -Isso é o mais importante! Rodearmo-nos de pessoas de bem.
 -Invejo a sua ingenuidade senhor padre. O seu deus abençoou-o com essa dádiva. Bem, mas eu vou prosseguir. Os meus amigos chegaram e subimos uma das ruas que levava ao Bairro Alto, aquele sítio emblemático da capital, para os apaixonados, para olhares trocados e vidas cruzadas. Subimos e foi quando a vi.
 -Quem?
 -A que me levou a pecar. Era uma rapariga, ao longe simples e vulgar, mas à medida que se aproximava, era cada vez mais um maior deslumbre. Lembro-me que reparei nela e ela em mim, tentei não dar importância, pois na realidade nem sabia quem ela era. à medida que a noite ía passando, tentava abstrair-me, por vezes conseguia, mas por vezes, nem que fosse por uns segundos, recriava a imagem dela.
 Estava à porta de um bar qualquer e quis ir dar uma volta. Dois amigos acompanharam-me e parámos num bar onde eles diziam ter bebidas baratas. Sentei-me no chão e esfreguei os olhos. Assim que olhei para cima, lá estava ela, agora acompanhada. Todos os seus movimentos eram confiantes, impunham-se aos dos outros. Mas o seu olhar revelava o oposto. Mostravam insegurança e movimentos ensaiados.
 - Não estou a perceber o porquê da tua tortura espiritual. Ora portanto, conheces-te alguém por quem te interessaste. 
 -Tomara eu que fosse apenas isso, mas não. Muitas coisas aconteceram, revelando-se ela como algo a evitar.
 -Mas tu não erraste.
 -De acordo com o meu livro sagrado sim. Os meus dogmas são diferentes dos seus. Sei o que tenho a evitar e sei como fazê-lo.
 -Então porque não o fizeste?
 -Porque revivo aquele momento. O momento em que a vi pela primeira vez. E que durante aqueles segundos, vi mais do seu verdadeiro eu do que nos últimos anos."

Sem comentários:

Enviar um comentário